Lula e os burgueses que não compreenderam nada

Sabemos que o retorno de Lula à nossa vida pública representa uma vitória espetacular da democracia contra a treva política. Cinco anos depois do golpe de 2016, dois anos e quatro meses após a chegada de Bolsonaro ao Planalto, não há dúvida de que a política brasileira entrou em novo curso, ao assegurar uma nova estatutura à principal liderança de oposição do país, desde já favorito na eleição presidencial marcada para 2022. O mesmo Supremo que assegurou os direitos de Lula por 8 votos a 3, também garantiu, em outra votação arrasadora — 10 votos a 1 — a instalação de uma CPI que irá se debruçar sobre a postura criminosa do governo Bolsonaro diante do coronavirus, permitindo que se apure responsabilidades e quem sabe auxiliando urgentes correções de rota. Nesse contexto, é sintomático que uma noticia especialmente relevante para a democracia como a recuperação dos direitos de Lula, tenha recebido críticas inaceitáveis nos editoriais de dois influentes jornais brasileiros. Num país que, sob o governo Jair Bolsonaro, cuja prioridade, 24 horas por dia, permanece o combate à democracia em todos os seus aspectos, às liberdades políticas e à saúde pública, a Folha de S. Paulo reassumiu claramente a retomada da velha judicialização que derrubou Dilma do Planalto em 2016 e mandou Lula para prisão, em 2018. Em “Acrobacias da Corte“(17/4/2021), o jornal estimula o Supremo a derrubar a suspeição de Sérgio Moro na volta aos trabalhos, já nesta semana, apresentando argumento em tom de aconselhamento para tentar reverter uma decisão tomada pela Segunda Turma em 23 de março. “Uma nova reviravolta livraria Moro da pecha de juiz suspeito e permitiria reaproveitar as provas usadas contra Lula”, diz o jornal, ignorando o entendimento, aceito pela maioria dos ministros, de que o plenário não é instância revisora das decisões de Turma do STF. Em toada dramática, num editorial intitulado “Um Supremo trôpego” (18/4/2021), dedicado a um julgamento no qual o STF reafirmou a vigência de um princípio básico do Estado Democrático de Direito, o chamado “juiz natural”, elemento básico para se assegurar a neutralidade de uma decisão, o Estado de S. Paulo fez um balanço cáustico. Acusou o tribunal de ter produzido um desastre, exibindo “todos os elementos possíveis para que se duvidasse de sua própria imparcialidade”. Diferentes no estilo e nos argumentos, os editoriais traduzem uma mesma postura preocupante, responsável pela atual tragédia política brasileira, que sequer foi superada pelas decisões políticas recentes. O eixo comum é o temor pela volta de Lula, reflexo ideológico que traduz uma conhecida concepção da democracia como valor relativo, que só costumam defender quando é conveniente à sua parte do sistema social, como classe dominante — “Burgueses, vocês não compreenderam nada”, já anunciou Denis Diderot, enciclopedista e filósofo da Revolução Francesa, ao longo do processo em que os conservadores encaminhavam os adversários — responsáveis pela revolução que reescreveu a história da humanidade — para a guilhotina. Alguma dúvida?

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By ecocut

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